BORIS LEHMAN
1944 | Lausanne | Suíça

BorisLehman

Biografia:
Estuda cinema no Institut National Supérieur des Arts du Spectacle, em Bruxelas, entre 1962 e 66.
A partir de 1960, torna-se crítico de cinema, escrevendo em diversas publicações e funda diferentes associações de cinema como Cinélibre, Cinédit, l’Atelier des Jeunes Cinéastes (AJC, entre outras. De 1965 à 1983, é animador no Club Antonin Artaud, centro de readaptação em saúde mental, onde utiliza cinema como terapia. Além de actor nos seus filmes, participou ainda em inúmeros filmes e colaborou com cineastas como Henri StorckJacques Rouffio, Chantal Akerman, Joseph Morder, Patrick Van Antwerpen, Michèle Blondeel, Gérard Courant, Christianne Kolla, Jean-Marie Buchet, Marie André, etc.
Realizou, produziu, distribuiu todos os seus filmes de uma forma artesanal, que ao longo de 45 anos somam mais de 400, entre curtas e longas-metragens documentais, ficção, ensaios, diários ou autobiografias, em particular nos suportes 8 super 8 e 16 mm.
Biografia e filmografia completas em www.borislehman.be.

Filmografia (Selecção):
1963 La Clé du champ
1970 Le Centre et la Classe
1973 Ne pas Stagner
1974 Album 1
1978 Magnum Begynasium Bruxellense (primé à Nyon)
1979 Symphonie
1983 Couple, Regards, Positions
1985 Portrait du peintre dans son atelier
1987 Muet comme une carpe (primé à Bruxelles)
1990 A la recherche du lieu de ma naissance (primé à Dunkerque)
1983-1991 Babel / Lettre à mes amis restés en Belgique
1994 Leçon de vie
1995 La Dernière s(cène)
1996 Mes Entretiens filmés
1998 L‘image et le monde
2000 A comme Adrienne (primé à Bruxelles)
2001 Histoire de ma vie racontée par mes photographies
2003 Homme portant
2005 Tentatives de se décrire
2006 Fontaine d’amour
2007 Sur-vie
2008 Retouches et Réparations
2010 Histoire de mes Cheveux

 

CONVERSA COM BORIS LEHMAN por Regina Guimarães (Jornal dos Encontros Cinematográficos 2011)

Boris, sentes-te esmagado pelo peso dos teus filmes? ou dirias antes que eles te levam, te transportam?

Ambas as coisas, evidentemente.

Homme portant é uma espécie de meta- filme. tens a impressão de te transformar em metapersonagem? em que é que isso poderia ser fonte de uma outra forma de narratividade fílmica (e não só?)

No meu cinema há sempre um tema-pretexto e depois algo mais importante que se descobre e revela por detrás das imagens, para além do plano do anedótico. Sim, eu invento (às vezes sem me aperceber disso) uma personagem que tem a ver comigo e vem de mim, mas não é a minha pessoa.

Que relação estabeleces entre o desejo (onírico) de voar e o desejo de filmar?

Concretizar os sonhos.

Este filme que faz de ti um fantasma e um vidente alterou/corrigiu a trajectória do teu cinema?

Não, de modo nenhum. É um filme feito com elementos dos meus arquivos pessoais. Quando decidi levá-lo a cabo, já tinha filmado quase tudo, só me restava realizar as duas «performances» (transportar e ser transportado) sobre um tema já por mim extensamente tratado em obras anteriores.

Como situas Homme portant no vasto texto fílmico da tua obra?

É o meu mito de Sísifo. Coloco a tónica no homem que sofre. No homem sofredor (e crucificado, pois que carrega a sua cruz) que eu sou (com humor e ironia, não quero levar-me demasiado a sério).

Dizes muitas vezes que, para o teu cinema, filmar quotidiana e intensivamente conta mais do que rodar um filme específico. podes desenvolver um pouco esta visão que tens da arte cinematográfica?

Digo que não faço (ou melhor: já não faço) filmes, no sentido que, de um modo geral, os cineastas atribuem ao facto de terem um projecto, o escreverem, tentarem concretizá-lo, procurando para isso um produtor e dinheiro, meios de realização, e depois de organizarem a dita realização em fase de rodagem, fase de montagem, fase de pós-produção, fase de difusão. Para mim, trata-se sempre de produtos fabricados, mesmo que sejam de natureza artística. Eu não funciono assim. Filmo, acumulo elementos, peças, bocados de filme. Poder-se-ia dizer que colecciono imagens. Até ao momento em que, um dia elas me dizem que poderiam entrar num filme. Passado um certo tempo, consegui reunir tanto material que digo para comigo: «Olha, isto poderia dar um filme.» Então, está claro que é preciso procurar algum dinheiro para acabar esse filme que assim se descobriu/revelou, para o construir. O filme, o tema, o argumento, tudo isso vem sempre depois. O que me leva a essa derradeira construção é o desejo de filmar, é o acto de filmar, é o amor de filmar, é a paixão, a obsessão.

 

“A MINHA VIDA TORNOU-SE NO ARGUMENTO DE UM FILME QUE, ELE PRÓPRIO,, SE CONVERTEU NA MINHA VIDA”

Filmar a minha vida, ou antes viver filmando, essa foi a minha divisa e a minha arte poética durante a filmagem de Babel – que durou quase dez anos –, divisa que se repercutiu sobre os meus outros filmes, esta confusão – senão fusão – entre o que se vive e o que se filma, torna evidentemente caduca toda a noção de normas, de géneros e de duração. Os meus filmes não são nem curtos nem longos. Não se trata nem de documentários nem de ficções. Eles não são senão um mesmo filme, um filme único, um cine-diário escrito no dia-a-dia, por pequenas porções, por migalhas acumuladas (a minha divisa: “um pouco cada dia”).

Não vejo nada de moderno nisto, mas é verdade que este trabalho, artesanal, é próximo do de Jonas Mekas, de Joseph Morder ou de Chris Marker. Vê-se bem a dificuldade que tenho para planificar, para contratar técnicos, para vincular o meu cinema a uma organização prática profissional (equipa, horário, produção). Esta disponibilidade total que eu peço, o tempo que é preciso perder, é rejeitada por quase todos, uma vez que é contrária a toda a ética, estética e economia do cinema.

Cinema-vida

A que se parece o meu cinema? O que é o cinema de Boris Lehman?

É talvez um cinema que procura justamente uma definição, que hesita entre documentário etnográfico, filme científico, ficção experimental, filme terapêutico e filme autobiográfico? É um cinema desconfortável, sentado entre duas cadeiras, que incomoda. Aliás, sempre me perguntei porquê. Sou todo o contrário de um provocador. Creio que me apreciam pelo meu comportamento, pela minha desordem, a minha rebelião, a minha resistência, e também pelo inacabado das minhas acções, pelo facto do meu trabalho se prolongar, de não se saber quando nem como vai acabar.
A minha atracção vai no sentido das formas extremas e primitivas do cinema, no sentido de um grau zero, perceptível sobretudo no cinema das origens, no dos amadores, ou num certo cinema de vanguarda.

Mas isto não passa de um aspecto formal. Há outra coisa. As minhas imagens não diferem assim tanto das dos outros cineastas.

Os artistas em geral sentem-se obrigados a fazer obras e as suas obras, uma vez terminadas, separam-se dos seus autores, que delas são desapossados, os seus filmes podem ser mostrados sem eles, quer dizer, fora deles. Eu não posso aceitar isso uma vez que a minha obra sou eu.

Boris Lehman (Excerto) In Art Press – Un second siècle pour le cinéma, n.o 14, 1993