JOSÉ OLIVEIRA
1982, Braga, Portugal

Nota Biográfica:
Nascido em Braga, em 1982, concluiu os seus estudos de cinema em 2010 na Escola Superior Artística do Porto. Desde então realizou algumas curtas-metragens, tais como “Pai Natal” (2010) ou “Longe” (2016), esta estreada no Festival Internacional de Locarno. Co-realizou “Sem Abrigo” (2012) e “O Atirador” (2013). Em 2019 realizou  “Os Conselhos da Noite” (com Tiago Aldeia e Adolfo Luxúria Canibal), em 2020 co-realizou “Guerra” (com José Lopes, Luís Miguel Cintra e Diogo Dória) e, em 2021, “Paz”. Em 2016 fundou o LUCKY STAR – Cineclube de Braga e a ACINAC – Associação Cinema em Acção, que pretende trabalhar e levar o Cinema às crianças e jovens, bem como mostrá-lo em salas, respeitando a sua longa história. É ainda formador, tendo colaborado com Os Filhos de Lumière – Associação Cultural e outras instituições no ensino profissional, leccionando neste momento as cadeiras de História do Cinema e de Realização na Cascais School of Arts & Design. Escreve sobre cinema em diversas publicações nacionais e internacionais, tendo lançado o livro “Uma Viagem pelo Cinema Americano”, assinado a meias com João Palhares.

Filmografia
2021 Paz (co-realização)
2020 Guerra (co-realização)
2019 Os Conselhos da Noite
2016 Longe
2015 35 anos depois, O Movimento das Coisas (co-realização)
2012 O Atirador (co-realização)
2011 Times Are Changing, Not me (co-realização)
2011 Sem Abrigo (co-realização)
2011 A Pena Perdida
2010 Pai Natal
2010 Braga

 

CONVERSA COM JOSÉ OLIVEIRA por Manuel Pinto Barros (Jornal dos Encontros Cinematográficos 2016)

MPB: “Longe”. Quantifica “Longe”?

JO: Longe deverá ter a ver com o passado. Com o que ficou lá atrás numa vida. Com o que vem do fundo dos tempos e da memória e se torna presente no lugar e na hora concreta. “Não existe passado porque se ele existisse não haveria dor nem tristeza”, escreveu Faulkner. Será esse o campo de batalha do filme.

MPB: As tuas personagens são distantes, resistentes e normalmente em viagem. Aventureiros?

JO: Ficando-me só pelo homem deste filme, ele chega, procura, faz o que tem a fazer, e parte. Pode ter demorado um dia, a noite que vem e o dia seguinte, até anoitecer novamente, ou podem ter passado muitos dias e muitos meses. Talvez anos. Mas é um homem que representa infinitos outros, como as pessoas sozinhas ou as multidões de Griffith, todos os homens e mulheres que foram felizes e trágicos à face da terra. De resto, o cinema que mais me disse foi esse, o de John Ford ou o de King Vidor, nunca baixar os braços, dar tudo, e meter certas coisas no devido lugar de onde jamais deviam ter saído. Mesmo que a violência seja necessária, em correspondência com o amor desmedido. É seguindo essa de- manda e essa cepa que os filmes se podem por milésimos de segundo aproximar da incomparável e selvática aventura da vida.

MPB: “Longe” nasce da colaboração com o Zé Lopes. Fale- mos sobre isso?

JO: Conheci o Zé Lopes em 2010. No centro do centro da cidade de Lisboa. Juntamente com os meus melhores amigos, ficámos mais de uma hora na conversa. Tudo parou e a brutal movimentação do Rossio suspendeu-se. Senti uma violência tal, uma fúria e uma ternura que só conhecia das pessoas simples e complexas da minha aldeia minhota. Trabalhadores do campo e criaturas perdidas da noite que te tratam como igual. Depois, passei horas e horas e anos com ele. Frente a frente num banco do jardim ou a quatrocentos quilómetros de distância. Quase sempre a escutar, os seus medos e as suas raivas, as suas certezas e a sua inexorável liberdade. A sua companhia continua para mim vital e indecifrável, fonte de todas as dádivas e segredos. Se pudesse fazer mais um filme, ou muitos, à maneira da Hollywood clássica ou das fábricas genuínas, gostaria que fossem todos com ele. Assim, em Lisboa ou em Braga, como no Mississipi ou em Monument Valley. Naturalmente, sem contratos, nem princípio, nem fim. O que gostava mesmo era de fazer filmes que fossem entendidos aqui e na China, por uma criancinha ou por um velho sabido.

MPB: O que define melhor “Longe”, a chegada ou a partida?

JO: Estamos sempre de chegada, estamos sempre de partida.

De onde a eternidade ou a perfeição sempre almejada pode estar no mais efémero momento. Por isso juntei “The Lusty Men” ao nosso filme. Do mais frágil e intenso dos realizadores que o cinema já conheceu, Nicholas Ray, surge essa busca, talvez perpétua, pelo centro, pelo pleno, pela casa, pela comunidade. Não sei se Ray lá chegou, nem se o seu comparsa Thomas Wolfe sequer entreviu tal, ou quem quer que seja que aparente essa concretização, mas acredito que seja a mais importante das lutas.

MPB: No futuro, teremos um novo filme de “aventuras”?

JO: Ficando com Ray, foi ele que disse, depois de tanto ter visto, de tanto ter calcado, se queimado: “Creio que tenho algumas chaves… Mas sempre tive o sentimento, e ainda o tenho, de só estar a esgravatar à superfície da prodigiosa aventura que é o cinema”. Este pintor de sentimentos que utilizou a câmara como Jackson Pollock o pincel e o sangue e as tripas, que morreu a trabalhar com ela sendo o mais jovem no meio da juventude, sempre viveu na mesma inquietude e fremência de um Rimbaud ou do agricultor sério que todos os anos desfaz as vísceras e a alma em busca da melhor colheita. Gente simultaneamente antiga e revolucionária. “Take care of each other. It ́s your only chance of survival. All the rest is vanity.”