LA MORTE ROUGE
Espanha / Portugal | 2006
Realização: Victor Erice

“La Morte Rouge (Soliloquio)” foi feito no âmbito da exposição “Erice-Kiarostami. Correspondences”, organizada por Alain Bergala, e visível em Madrid, Barcelona e Paris em 2006.

 

LA MORTE ROUGE
(Soliloquio)(2006)

É curioso como um cineasta tão discreto e pouco narcisista como Erice, tão em “terceira pessoa”, quando se vê encorralado pela falta de meios, recorre, como Giulio Questi na sua obra recente, a si próprio, e acaba quase protagonizando os seus filmes mais curtos, anonimamente, assim acontece com o primeiríssimo episódio da sua vida em Alumbramiento e no uso da primeira pessoa em La Morte Rouge, onde nos conta a sua primeira experiência como espectador de cinema, determinante na sua vocação de cineasta, e fá-lo colocando, além da sua silhueta, de costas, numa praia, a sua voz off como narrador.

Trata-se, como é frequente em Erice, de mostrar ou recriar uma experiência primordial, e não deixa de ser significativo que se trate de um filme obscuro (ainda que, na minha opinião, excelente) e completamente desconhecido, The Scarlet Claw, realizado em 1943 por um cineasta sem prestígio e hoje – de há muito tempo para cá- totalmente esquecido, Roy William Neill. Os meios de que se serve Erice são muito elementares, fotografias, reproduções de jornais da época, fragmentos de noticiários e do filme em questão, jogos de luz e sombra. Acrescenta-lhe, mais do que nostalgia por uma infância não necessariamente feliz, intimidade e até um tom de confidência, e a reflexão já que provoca no espectador a incapacidade de distinguir claramente entre realidade e ficção, como era normal que lhe acontecesse quando tinha cinco anos. E tudo isso rodeado de uma visão sintética mas evocadora da circunstância histórica, meteorológica e política do sucedido: San Sebastián, um casino (el Gran Kursaal) decaído em cinema, o ano 1946, a irmã sete anos mais velha (o que coloca Erice na posição, frente ao cinema, o mistério e o medo, de Ana Torrent em El espíritu de la colmena), Espanha ainda no seu prolongado pós guerra, Europa com a Segunda Guerra Mundial ainda muito recente.

Miguel Marías