L’IDIOT
França | 2008 | Beta Digital | P&B | 61’
Realização: Pierre León
Cópia: cedida pela BABA YAGA FILMS (Jean‐Marc Zekri), digitam BETACAM, versão original em francês (projeção com legendas eletrónicas em português)

Sinopse
Ao adaptar um capítulo do livro O Idiota, de Dostoiévski, Léon afirmava pretender “trabalhar o teatro contra o romance”. Uma festa em casa de Nastassia Philippovna (Jeanne Balibar) acolhe várias personagens entre as quais o célebre “idiota”. Se este procurará “salvar” a anfitriã, caberá a Nastassia a escolha do seu próprio destino.

 

NUIT DE FOLIE

Pierre Léon escreveu uma adaptação em 14 episódios do livro de Fiódor Dostoiévski, « O Idiota ». Até hoje só foi possível realizar um único desses filmes, o episódio IV com o subtítulo “Nastassia Philipovna”. Trata-se de uma cena única em que Nastassia reúne na sua casa o seu protector Tostsky, os seus pretendentes e outros convidados.

Quando escolhemos apresentar « L’Idiot » no ciclo “O Cinema à volta de cinco Artes – Cinco Artes à volta do Cinema”, foi no âmbito da temática “Cinematografia-Teatralidade”. E em muitos aspectos o filme integrava perfeitamente este contexto: frontalidade, importância do texto, unidade de espaço e universo fechado, tempo real sem elipse, por exemplo; a escolha dos enquadramentos parecia confirmar esta opção: Nastassia Philipovna dirigindo-se aos convidados por entre cortinas de um lado e de outro.

O filme parece de facto construído como uma representação em dois actos, sendo a passagem do primeiro ao segundo marcada pelo relógio soando as onze e meia – “C’est le dénouement!” (eis o desenlace !) comenta Nastassia – seguido pela campainha da porta anunciando a chegada de Rogojine, outro pretendente de Nastassia Philipovna.

Se a unidade de lugar é respeitada e a palavra constante, o espaço é extremamente fragmentado na rodagem, depois na montagem, e será necessário esperar o segundo acto para descobrir uma visão mais geral do apartamento. No primeiro acto esta fragmentação isola cada um dos protagonistas, eles estão a maior parte das vezes sozinhos no seu « quadro » (quando são dois, não estão por isso menos isolados) e os seus olhares passam da direita para a esquerda sem cruzar outros olhares, sem saber onde pousar os olhos e manifestando apenas um mal estar. Cada um tenta controlar a sua « representação social » e mais mal do que bem à medida que o filme avança. Só Nastassia e o Príncipe se olham realmente e partilham esse olhar sem artifícios.

Na segunda parte, com a vinda do grupo de folgazões que chegou com Rogojine, o enquadramento abre-se, o movimento acelera-se, levado por Nastassia que circula entre um e outro quadro orquestrando a queda das máscaras, questionando a hipocrisia social de cada um. Os protagonistas do primeiro acto tornam-se os « observados », os que estão em cena.

Mas como sempre com quaisquer propostas temáticas – neste caso a teatralidade – trata-se apenas de uma porta de entrada entre muitas outras. A musicalidade podia ser uma das outras portas de entrada para  este filme: os cortes rápidos dos olhares de cada personagem; a tonalidade das vozes (uma muito fluida de Nastassia, as outras monocórdicas, a do Príncipe cristalina, diferente de todas as outras); a presença da música e das gargalhadas dos outros convivas que estão fora da sala (e de campo) mas pontuam e fazem extravasar/abrir o que se passa no seu interior.

Ou ainda a coreografia: basta ver o contraste entre a rigidez dos convidados, estáticos, a maior parte das vezes pregados nas suas cadeiras, sem poder dissimular o seu mal-estar, e a mobilidade,
a leveza de Nastassia Philipovna, os gestos jogando com o seu xaile, as suas poses nunca rígidas como as dos outros protagonistas.

A multiplicidade das portas de entrada que pode suscitar um filme é sempre um sinal de riqueza (mesmo quando a produção é pobre).

Teresa Garcia e Pierre-Marie Goulet