O MOVIMENTO DAS COISAS
Portugal | 1979/85 | 16mm | Cor | 88′
Realização: Manuela Serra

Sinopse
Feito entre 1978 e 1984, ao longo de quase 10 anos, O Movimento das Coisas é realizado como uma música, flutuação de pequenos gestos quotidianos de uma ruralidade que volta a estar longe e esquecida. É um filme enorme que mostra o que resta e os movimentos disso.

 

A PROPÓSITO DE “O MOVIMENTO DAS COISAS”

Citando João Bénard da Costa sobre o filme O Movimento das Coisas: das múltiplas singularidades do cinema português, este filme e o seu destino são um dos casos mais singulares, aplicaria este pressuposto a Manuela Serra, a sua realizadora.

Nascida em Lisboa a 31 de Maio de 1948, estudou psicologia, curso que abandonou para, em Bruxelas – cidade a que chegou em 1971- ingressar no Institut des Arts et Difusion (IAD), onde estudou cinema durante um ano e meio. Com o 25 de Abril de 1974, decidiu regressar a Portugal, abandonando o curso e, a convite de Rui Simões, que também frequentara o IAD, trabalhou como assistente de realização, e na montagem de “Deus, Pátria, Autoridade” (1975), por este realizado.

Entre 1975 e 1976, fundou, juntamente com Antónia Seabra e os ex-colegas do IAD: Rui Simões, João Brehm, Dominique Rolin, Gérard Collet e Richard Verthé, a Cooperativa de Cinema VIRVER. Participou nos trabalhos desenvolvidos pela Cooperativa, nos mais variados sectores: argumento, assistência de realização, produção, montagem, bem como animações culturais.

No filme “Bom Povo Português” (1980), de Rui Si- mões, para além de ter sido assistente de realiza- ção, e ter participado no argumento, na produção e na montagem, teve também um breve desempenho como actriz, numa das raras sequências encenadas desse filme.

Em 1979 partiu para a rodagem da sua primeira e única obra enquanto realizadora: “O Movimento das Coisas”.

Um ano depois, em 1980, o filme teve um segundo período de rodagem, e só se conseguiu concluir cerca de seis anos mais tarde, em 1985.

Foi durante esse processo de realização (1981/ 1982) que abandonou a Cooperativa VIRVER.

O filme teve a sua primeira exibição no Festival de Mannheim, na Alemanha, em 1985, onde obteve o prémio FilmduKaten; e, de seguida, é apresentado no Festival de Tróia, ganhando o prémio AGFA.

Nos anos seguintes, teve inúmeras passagens noutros festivais e mostras, onde foi obtendo outros prémios e distinções e conseguiu algumas vendas para canais televisivos. Apesar disso, nunca será estreado comercialmente.

Manuela Serra ainda tentou elaborar um novo projecto, ao qual daria o título: “Ondas”, ou “Ondulações” ou “O Movimento das Ondas”, com o qual obteve um subsídio para a escrita, atribuído pela Fundação Gulbenkian. Contudo, tal filme nunca foi realizado. É que, após diversas apresentações a concurso, no Instituto de Cinema, o projecto nunca obteve aprovação.

Em face desse desgaste, ao qual se juntou também alguma frustração e insatisfação, nos raros e breves trabalhos que ainda desenvolveu, noutras produções, Manuela Serra acabou por se ir afastando, vindo a abandonar definitivamente o cinema entre 1991 /1992 e, desde então, a ele não voltou.

As parcas informações sobre Manuela Serra e o seu percurso cinematográfico, que se estende apenas por quase duas décadas – dos anos 70, ao início dos anos 90 – e sobre o seu filme, “O Movi- mento das Coisas”, residem, sobretudo, na óptima entrevista, efectuada por Ilda Castro à realizadora – contida em “Cineastas Portuguesas 1874 – 1956” (C.M.L.,2000) – bem como em dois textos, um deles já acima citado, de João Bénard da Costa, para as “folhas da Cinemateca”, e outro, de Nuno Lisboa, publicado na revista “docs.pt”, de Junho de 2007, de que cito a seguinte frase, tão sucinta, como certeira, sobre “O Movimento das Coisas”:

“A sua singularidade define ao mesmo tempo um modelo – de cinema, de autor, de um país, de uma época –, se esse modelo pudesse ser constituído sob a forma da indefinição e do inacabamento”.

É, pois, tempo de descobrir ou redescobrir este filme, tão secreto e singular, feito de tempo, e com o tempo; nos tempos da sua montagem, da sua musicalidade, das memórias que transporta; nas dualidades entre ficção e documentário; o abstracto e o materialista; na sua indefinição e dispersão; na sua coerência e unidade, através da visão e sensibilidade, de Manuela Serra.

E fiquemos com a sinopse original de Teresa Sá:

“Histórias do quotidiano de silêncio. Em caminhos desertos de vento inquietante, numa aldeia Norte. Há um dia de trabalho atravessado por três famí- lias: quatro velhas, o campo, o pão, as galinhas, e, a lembrar-nos, clareiras de histórias velhíssimas de gestos saboreados em mineralógicas palavras. Uma família de dez filhos numa quinta mergulham na largueza do tempo, no gesto todo do trabalho, o pai corta uma árvore. Mais longe, a água do rio habitado por gente, numa barca, o sol, e o largo da aldeia, a ponte em construção, a varanda, a refeição, a densidade e o misticismo ao domingo, a missa e a feira: ritualizada ao sábado. Nestes fragmentos de cenário move-se Isabel, também,
com os olhos postos no futuro, para lá dos outros, em que o sentido da vida é apenas viver.

O tempo atravessa o nascer e o pôr-do-sol.

É um respirar a vida, usando o campo como o meio numa aldeia do Norte, de gestos antiquíssimos e pousados.

É uma paragem sobre a vida através de: coisas e a sua deslocação no tempo; valores; silêncios…”.

Manuel Mozos, Outubro de 2011