VITOR GONÇALVES
1951 | Açores | Portugal

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Biografia:
Vítor Gonçalves nasceu em 1951 nos Açores. Licenciou-se em Engenharia Civil e posteriormente estudou na Escola de Cinema.
Foi um dos fundadores da Trópico Filmes, produtora que marcou a cinematografia portuguesa dos anos 80, com a qual realizou a sua primeira longa-metragem, Uma Rapariga no Verão, que teve estreia mundial no Festival de Cinema de Roterdão em 1987, tendo estado também presente no mesmo ano no Fórum do Festival de Cinema de Berlim. É professor na Escola de Cinema desde 1982 onde atualmente coordena a área de realização. A Vida Invisível é a sua mais recente longa-metragem que teve estreia mundial na Competição Internacional do Festival de Roma em 2013 e esteve presente na seleção Spectrum do Festival de Roterdão em 2014. Vive em Lisboa onde prepara o seu novo projeto de longa-metragem.

Filmografia:
2013  A Vida Invisível
1986  Uma Rapariga No Verão

 

CONVERSA COM VÍTOR GONÇALVES por Mário Fernandes (Jornal dos Encontros Cinematográficos 2015)
“Fellers follering Comanches don ́t necessarily ever come back” Mose Harper

Há um hiato de quase 30 anos entre “Uma rapariga no Verão” e “a Vida Invisível”. Não sentiu vontade de voltar a filmar? Teve projetos que, por uma razão ou outra, nunca saíram da gaveta?

Lembro-me de que quando rodei o primeiro plano da ‘Vida Invisível’ ter tido a sensação de que filmara na véspera. Era – por paradoxal que pareça – uma emoção ligada à familiaridade, à continuidade da experiência de rodagem. Penso que tudo se prende com o facto de não ter ocorrido um dia, nesse hiato de que fala, em que não estivesse imerso no cinema.

Em “Vida Invisível” o “filho” persegue o “pai” António, parece aliás haver um sentimento de orfandade, que é comum a vários realizadores portugueses da sua geração (Pedro Costa, Manuel Mozos, etc..). Que pai cinematográfico é esse? António Reis, João Bénard da Costa, ou o próprio Cinema que os une num lugar longínquo?

No filme, Hugo assiste à última parte da vida de António e através dela faz a experiência que teme de o ver morrer. Como é que esta experiência emocional lhe permite pensar a sua própria mortalidade em confronto com o desejo de ‘vir a estar’ vivo foi para mim a questão central do filme, de onde todas as outras nasceram. E sabemos que Hugo é um homem que vive com os mortos, como Adriana lhe diz na mais difícil das suas memórias: ‘é mais seguro para ti estar com eles do que comigo.’ No entanto, quando tudo acaba ele é capaz de sair de casa porque parece finalmente possível que tenha compreendido que despedir-se dos mortos é diferente de os esquecer.

Sente-se no filme uma espécie de incapacidade do cinema para restituir a vida que se perdeu. São os fragmentos de cartas em off que talvez nunca se tenham escrito à mulher amada ou ao “pai”, são as imagens em super 8 descosidas de mares, ilhas, grutas, serras ou rochas… Há uma “casa de imagens “ à qual não se pode mais voltar, como John Wayne no final da “Desaparecida”?

No final da ‘Desaparecida’ talvez possamos acreditar que é possível para Wayne encontrar uma paz com as imagens do que foi vivido na casa de Martha e tudo aquilo que ela significa. Talvez até ele as possa deixar no seu interior quando a porta se fecha sobre a sua figura. As imagens que regressam ao espírito de Hugo pertencem mais ao tempo do que a um espaço, e não está na sua mão impedi-las. Pelo contrário, parece que este reencontro acontece quase contra a sua vontade e que – desta vez – as imagens o interpelam como nunca antes aconteceu, talvez porque justamente invoquem a sua pertença a uma ‘casa’ que é a do próprio Hugo.

Aqui e acolá uma vertigem de Hitchcock, um sonho de Lang, um corredor de Preminger, mas sobretudo silêncios e penumbras de obra terminal, do “último magnata” do Kazan (a despedida do e no Cinema deste grande realizador) ao “Era uma vez na América” (que esteve para se chamar “Era uma vez o Cinema”) do Leone, passando pela solidão e acorrentamento final de tantas personagens do Coppola. Um definhar lento e sereno como no momento em que o António vê a enxertia dos arbustos, fecha os olhos e “corta”. Não parece fácil recuperar de um filme destes… Como curar as feridas de “a Vida invisível”? Consta que tem um novo projecto para um filme. Pode adiantar alguma coisa sobre isso?

Sim, trabalho num novo projecto embora no início das suas ideias. Procuro todos os dias tornar-me receptivo àquilo que não sei. Claro que há a memória recente da experiência de ‘A Vida Invisível’. Do seu processo, de como o pensei simultaneamente de diferentes pontos de vista, do encontro com as pessoas que o fizeram comigo e que constituíram para mim na sua irredutível singularidade tanto do próprio filme, da forma e daquilo que o filme acabou por tocar em mim.

Porque escolheu a “Desaparecida” de John Ford para mostrar nos “Encontros Cinematográficos”? É um dos filmes da sua vida? Tive um professor de Filosofia que um dia disse aos alunos: “se querem entender a existência humana, faltem às minhas aulas e vejam uma vez por semana “A desaparecida” de John Ford”. É um filme total?

Foi um filme muito importante num longo período da minha vida. Nessa altura vi-o muitas vezes, e pensei-o muito. Lembro- me até que foi com ele que trabalhei na minha primeira aula como professor da escola de cinema. Agora as razões pelas quais ele se tornou um dos filmes da minha vida é que são diversas e, claro, foram variando no tempo. Ainda hoje parte do fascínio reside no facto de as minhas respostas se tornarem cada vez mais complexas face a certas questões fundamentais. A fuga de Ethan face a Martha, no passado, e a natureza do que procurou no ‘exterior’, na guerra e no deserto. O sentido escondido dos sete anos de perseguição que ao permitirem que Debbie se transforme de criança em mulher nos levam à violência e ao terror latente do herói. A procura sem fim, a demência e a possibilidade de uma resolução na aceitação da perda.