CORDÃO VERDE
Portugal | 2009
Realização: Hiroatsu Suzuki e Rossana Torres

Sinopse
Um poema em imagens e sons em torno do homem e da natureza.

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A propósito do filme «Cordão Verde»,
uma entrevista a Hiroatsu Suzuki & Rossana Torres
por Daisuke Akasaka Tóquio / Kichijōji, 26 de Julho de 2013

Como aconteceu fazerem este filme juntos?
Hiroatsu Suzuki (H.S.): Nós conhecemo-nos num seminário sobre cinema chamado «Docʼs Kingdom», numa pequena cidade do sul de Portugal. A Rossana tinha recebido uma encomenda para uma curta metragem inserida num projecto da Associação de Defesa do Património de Mértola (ADPM). Entretanto, à medida que fomos filmando, o projecto foi-se transformando…

Tinham um guião, uma ideia concreta do que iam filmar?
Rossana Torres (R.T.): Não. A ADPM sugeriu-nos locais e pessoas que trabalham em várias actividades na região, mas de resto tínhamos liberdade.
(H.S.): Acabámos por filmar toda uma região montanhosa que vai desde o Alentejo até ao Algarve.

Vocês já conheciam essa região antes de receberem a encomenda?
(R.T.): Eu vivi durante muito tempo numa cidade desta região, em Mértola, e tinha uma forte relação com as pessoas locais. Há de facto muita gente que abandona a região por não gostar de viver ali, mas achei que era mais importante filmar as pessoas que pelo contrário continuam a viver naquelas terras. Achei que era mais relevante divulgar os aspectos interessantes das suas vidas, a sua forte identidade cultural…

Quando é que vieste viver para esta região?
(R.T.): O meu pai trabalhava como arqueólogo em Mértola. Nessa altura, eu vivia em Lisboa e fui pela primeira vez a Mértola com quatorze anos. Todos os anos, quando chegava o Verão, ia ajudar nas escavações arqueológicas, e acabei por conhecer muitas pessoas dali. A região é extremamente bonita e então comecei a fazer fotografias… Adorava ir a Mértola e encontrar-me com as pessoas da terra. Aprendi muitas coisas importantes com elas. Até que fui para lá viver há cerca de vinte anos atrás.

E porque é que decidiste fazer este filme com o Suzuki? Quando é que isso aconteceu? No teu caso, tinhas uma relação forte com esta terra, mas qual era a relação do Suzuki…?
(R.T.): Ele tem uma forma especial de olhar as coisas. Senti que era um olhar diferente do das pessoas que tinha conhecido até àquela altura. As suas imagens, a luz, a composição… O movimento e o tempo que nasce do interior das suas composições é diferente. Encaixava tudo tão bem naquilo que eu tinha imaginado. No início, não tínhamos decidido nada, não sabíamos que íamos filmar juntos. Mas aos poucos e poucos… Foi-se tornando tudo muito interessante!
(H.S.): No início, usei uma pequena câmara da Rossana e fui filmando as coisas que me chamavam a atenção, naturalmente, sem grandes intenções… Mas ela gostou das imagens.

Eu gosto muito do vosso filme. Acho porém curioso o facto de ser quase tudo filmado à mão, sem tripé… Vocês não tinham tripé?
(R.T.): Na verdade, eu tinha um tripé, tanto que no primeiro plano e também no último usamos tripé…
(H.S.): O que aconteceu é que nós perdemos o tripé! A panorâmica logo no início do filme foi feita a meio da encosta de uma montanha, e foi a seguir desse plano que perdemos o tripé.

Pois… [risos] Estou agora a lembrar-me do plano.
(H.S.): Relativamente ao último plano, o que aconteceu foi outra coisa. Nós já tínhamos começado com a montagem, quando nos encontrámos casualmente com o pastor Silvinho. O encontro foi muito marcante. Mais tarde, encontrámos aquele lago onde o Silvinho vinha muitas vezes com o gado. Sentimos então intuitivamente que aquele local era ideal para filmar a última cena do filme. Arranjámos um tripé, pousámos a câmara e esperámos que ele aparecesse com o rebanho.

É um plano extremamente belo, que faz lembrar o filme do António Reis e da Margarida Cordeiro. Vocês tinham visto esse filme na altura?
(H.S.): Sim. Quando fomos àquele sítio pela primeira vez, lembrámo-nos da última cena do filme «Ana». Por outro lado, a experiência destas filmagens teve depois uma relação com o nosso filme seguinte, «O sabor do leite creme».

No «Cordão Verde», as várias sequências que mostram os trabalhos das pessoas têm uma natureza musical, uma espécie de simetria tanto visual como sonora que se faz sentir no movimento entre os espaços exteriores e interiores, ou entre o longe e o perto… Esta é uma ideia de montagem que já existia durante as filmagens? Em caso negativo, pergunto-vos quais os aspectos que vocês tiveram em atenção durante o processo de montagem?
(H.S.): Como era o nosso primeiro filme, filmámos sem pensar nada sobre a montagem. Sinto no entanto que o ritmo das filmagens—certos elementos como o tremer da mão que transporta a câmara, ou mesmo a distância face aos objectos—se reflectiu depois no ritmo da montagem. Relativamente ao som também não pensámos em absolutamente nada durante as filmagens. Tanto que uma grande parte do som foi realizada posteriormente.
(R.T.): A duração dos planos foi pensada tendo em conta a emoção que sentimos em cada plano. Tivemos em atenção a cadência entre os planos, e também a relação entre os planos e o som.

Vejo este filme como um «registo do trabalho». Tal como os filmes de Peter Nestler. Se pensarmos no quadro do cinema japonês é um tipo de documentário extremamente raro, já que no Japão este tipo de filmes tem como foco principal as entrevistas às pessoas. Mas aqui o centro do filme é quase sempre o registo do próprio trabalho. Porquê? A ADPM não vos pediu para incluírem entrevistas?
(R.T.): Não. Antes de filmarmos, nós encontrávamo-nos com os trabalhadores e conversávamos muito com eles. Gradualmente, estas pessoas começaram também a interessar-se por nós e a confiança foi crescendo. O único pedido que a ADPM nos fez foi que inseríssemos uma narração explicando o projecto.
(H.S.): No fim, acabámos por eliminar também toda essa narração, e inserir apenas uma voz off sobreposta ao plano inicial sobre a cadeia montanhosa.

Trata-se aqui de um objecto muito diferente, por exemplo, da reportagem tal como ela é vista pelos profissionais de televisão que adoram entrevistas e informação. Imagino que os programas televisivos se recusem a emitir este filme…
(H.S.): Penso realmente que será difícil mostrar este filme na televisão. (R.T.): Também nunca tentámos que ele fosse exibido na televisão (risos).

Digo isto porque no caso do Japão muitas pessoas pensam que «documentário» é equivalente a «documentário televisivo», onde há uma tradição de realizar imagens que acabam sempre por ser explicativas ou informativas.
(H.S.): A ADPM também queria imagens com explicações e informações relacionadas com o seu projecto. Nós é que achámos que isso era inútil. Sentimos que era melhor fazer algo que, num outro sentido, fosse uma contribuição para a região.

Este filme foi exibido nos cinemas?
(H.S.): A primeira versão do filme foi exibida em Lisboa, no «Panorama» (Mostra do Documentário Português). Houve então um crítico português que gostou do filme e nos aconselhou a enviarmos o documentário para festivais de cinema. Quando fizemos o filme não imaginámos sequer que ele viesse a ser exibido como foi em tantos festivais e em tantos sítios do mundo!

(Organização e correcções: Daisuke Akasaka e Hiroatsu Suzuki) (Tradução do japonês: Marta Morais)