MERCEDES ÁLVAREZ
1966 | Soria | Espanha

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Biografia:
Mercedes nasceu numa pequena aldeia em Castilla y León. Em 1997, dirigiu uma curta-metragem de ficção El viento africano. Desde 1998, centrou a sua atenção no documentário e participou no Master de Documental Creativo de la Universidad Pompeu Fabra de Barcelona. Como montadora trabalhou no filme José Luis Guerin En construcción. Em 2004, dirigiu seu primeiro filme, o documentário El Cielo Gira, conquistando inúmeros festivais de prestígio. Mais recentemente, realizou o filme Mercado de Futuros, selecionado para os mais importantes festivais.
Mercedes entende o cinema documental de uma forma aberta “é uma história ligada a várias associações, a intercâmbios entre os cineastas de diferentes países, a circuitos minoritários, a cineclubes”.
Nos seus filmes dispõe do tempo para parar e pensar e ver com novos olhos, para separar o essencial do supérfluo “As imagens são carregadas de tal intenção, na ficção e na publicidade, que não permite ao espectador imaginar, chegar por si próprio a conclusões. É preciso confiar na inteligência do espectador, é um elemento criativo que temos que respeitar”.
“O cinema militante será sempre necessário, mas confio mais na militância ao longo de um percurso, não num único trabalho com uma mensagem social. Isto implica a criação de um código ético, um princípio que tem que ver principalmente com o que não queres fazer, como não ser retórico ou usar estereótipos. Penso que ao expormos um problema devemos aprofundá-lo o necessário. Trata-se de uma postura moral: quando os cineastas perceberem o poder das imagens terão consciência que é necessário contar coisas de forma diferente”.
Mercedes Álvarez
(Asociación de Cine Documental)

Filmografia:
1997 El viento africano
2004 El Cielo Gira
2011 Mercado de Futuros
2012 Cinco elementos para cualquier universo

 

CONVERSA COM MERCEDES ÁLVAREZ por Miguel Marías (Jornal dos Encontros Cinematográficos 2014)

Desde a tua primeira longa-metragem, terminada em 2004, até agora, só fizeste mais um filme. Sei que dedicaste muito tempo aos dois, mas algum produtor, alguma TV, te perguntou se tinhas algum projecto ou te propôs algo? Em caso afirmativo, ficção ou documentário?

Não, que me lembre não tive nenhuma proposta. Fiz algumas curtas por encomenda, mais ligadas ao ensino do cinema e, mais recentemente, uns vídeos de museu que integraram uma exposição do artista Françes Torres para a Biennale de Veneza.

Não sei se é o caso, mas tenho a impressão de que não tens por aí umas histórias que desejas contar e para as quais procuras meios, nem um livro que te apeteça adaptar ao cinema. Mas, quem sabe, uma questão ou um problema que queiras investigar com a câmara e o microfone?

Bom, há muitas coisas que eu gostaria de investigar com uma câmara. Mas também penso que não tem que resultar necessariamente num filme, numa longa-metragem. Um projecto que tenho sempre é o de viajar pelas aldeias – sobretudo de Soria e arredores – para recuperar e conservar, câmara na mão, aqueles lugares, rostos, histórias e canções que estão ou vão desaparecer, inevitável e desgraçadamente. Gostaria de colaborar com mais gente e integrar este projecto noutros para formar um grande arquivo de memória.

“O céu gira” tinha um claro elemento autobiográfico, e a tua própria voz na primeira pessoa; “Mercado de futuros” é algo menos pessoal, que vejo com mais possibilidades de prolongamento. Mas já pensaste em continuar a contar o que sucedeu em Aldealseñor (o próprio palácio convertido em hotel) ou nos seus arredores (o projecto de Cidade Sustentável)?

Toda a região das Terras Altas continua a ser um lugar inóspito, solitário, belo e genuíno. Todos esses lugares têm muitas coisas a contar.

Já pensaste (se não te propuseram) em fazer cinema de ficção, em escolher e dirigir actores… ou mais depressa usarias intérpretes não profissionais?

Dirigir actores parece-me uma das coisas mais difíceis do cinema. Talvez gostasse mais de dirigir actores não profissionais, nesse trabalho o realizador que mais aprecio é Ermanno Olmi.

Não te vejo a seguir “modelos”, mas talvez tenhas algumas afinidades. De que filmes te sentes mais próxima, documentários ou não, antigos ou recentes?

Penso sempre em Vigo, Eustache, Pasolini, Ozu, Kiarostami, Erice…e em mais alguns com filmes muito diferentes. Por outro lado, sempre me interessei pelo trabalho mais experimental, artesanal e combativo como o de Chris Marker ou Franciszka e Stefan Themerson nas suas curtas. Todos acrescentaram algo, renovaram o olhar e ainda hoje fazem frente às linguagens uniformizadas.

Nunca entendi como se pode escrever um “guião” para um documentário, mas há gente que o faz. Como é que te preparas, como procuras financiamento, como estruturas o que vais filmando e montando, como terminas o filme?

Em “O céu gira” não havia guião mas sim umas previsões de rodagem e muito trabalho de observação. Em “Mercado de futuros”, eu e Arturo Redín fizemos um guião antes da rodagem, devidamente desenvolvido e completo, ainda que tenha acabado no caixote do lixo, o que não quer dizer que não tenha servido para nada. Há muita observação, documentação, previsões, apontamentos, montagens parciais antes e durante a rodagem. Depois, o material rodado é como uma memória em bruto da experiência e do tempo vivido durante a rodagem. É a memória de uma viagem, a essa memória há que lhe dar forma na mesa de montagem. Aí compreende-se melhor e de outra maneira o que se viveu. A experiência do tempo de rodagem e montagem muda o teu olhar sobre as coisas, essa mudança seria impossível com um guião fechado e pensado de antemão.

Tens “teorias” sobre o documentário ou uma aproximação mais intuitiva e prática?

Não tenho teorias sobre o documentário. Gosto de pensar que há tantas formas de documentário como de olhar qualquer coisa. Ao percorrer a história do cinema damos conta de que há muitas formas disso a que chamamos documentário. Algumas cristalizaram- se em géneros – o retrato, o diário, a viagem, o manifesto, a crónica, o ensaio, a poesia – como acontece também na literatura.

Achas importante que um documentário reflicta um ponto de vista ou, pelo contrário, que aspire à “objectividade”?

A objectividade é impossível, há sempre um olhar. Talvez só não haja quando o documentário se converte num género com os seus códigos pré-fixados. De qualquer forma, mais do que objectividade-subjectividade, podemos falar do espaço que deixamos ao olhar do espectador. Acredito que a câmara aprisiona imagens e sons como pássaros numa gaiola. E depois há que libertá-los. Muitas vezes, quando tento dar forma às imagens segundo o meu ponto de vista, arrependo-me ao ver o resultado e tento fazer algo menos interpretado. E o contrário também acontece. Há imagens que deixo livres e depois penso que necessitam de algum tipo de explicação, de compreensão ou de escrita para serem verdadeiras.

Em tempos de crise como os actuais, não há mil questões para abordar num documentário? Refiro-me, como dizia Jean Vigo, a dar “um ponto de vista documental”, tornar visível o que se discute desde perspectivas opostas, com muita desinformação?

Sempre tive em atenção essa questão – não só em tempos de crises. Recebemos diariamente uma enxurrada de imagens por diversas fontes e canais. Todas se querem impor umas às outras, e nessa luta tendem a uniformizarem-se, sobretudo nos mass-media e sempre que há interesses publicitários ou político-ideológicos, ainda que não só nesse domínio. Hoje em dia, mais do que nunca, as imagens formam a nossa visão do mundo. Talvez o mais importante seja opormo-nos a essa estandardização do olhar. Todos os assuntos podem ser tratados de uma maneira cinematográfica, ampliando a forma de olhar. Acho que a primeira exigência quando se documenta algo é evitar as imagens descuidadas e uniformiza- das, o discurso uniformizado e convencional. E como espectadores ou cidadãos, o primeiro direito que temos é o direito ao olhar, e depois vêm todos os outros.