O OIRO DO BANDIDO
Portugal | 1995 | 35mm | Cor | 87’
Realizador: Luís Alvarães
Cópia: Cinemateca Portuguesa – Museu do Cinema

Sinopse: Clara, aliciada por uma seita de fundamentos apocalípticos, sedeada numa quinta na Serra da Arrábida, foge em direcção a Lisboa com dois lingotes de oiro, pertença do Líder da Seita. O regresso a Lisboa mergulha O Oiro do Bandido num pequeno mundo de personagens agrestes, de recorte pícaro, retratado em tom de comédia sentimental em pleno coração da cidade.

 

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Filme que teve uma vida acidentada, O Oiro do Bandido pode, finalmente, ser visto em projecção, numa sala de cinema, depois de durante anos apenas ter estado disponível numa edição videográfica. Independentemente de todas as considerações que se possam fazer sobre as diferenças entre ver um filme em vídeo e ver um filme em película projectada, é lícito crer que, para a maior parte dos espectadores, O Oiro do Bandido seja uma absoluta descoberta.
Como noutros casos – e ainda recentemente houve a história, nalguns pontos bastante aproximável, do Xavier de Manuel Mozos – a primeira observação suscitada prende-se com o tempo fixado pelo filme. Rodado no início da década de 90, maioritariamente em cenários lisboetas, O Oiro do Bandido traz consigo, duma forma acentuada pelo seu ineditismo, a imagem de uma Lisboa que já não é exactamente a mesma em que vivemos hoje. Pequenos sinais (por exemplo, tão simples como significativo: os táxis verdes e pretos) que lembram um velho aforismo (o que diz que, com o tempo, toda a ficção se transforma em documentário), mas que sobretudo operam sobre o filme um efeito de estranheza que não seria perceptível se O Oiro do Bandido tivesse seguido um rumo “normal” (entre aspas) na época em que foi feito.
Não é um dado inteiramente “ao lado” do filme, esse. Porque a verdade é que, para lá dessa impressão de estranheza atribuída pelo tempo que passou, O Oiro do Bandido parece trabalhar a partir de algumas ideias e noções que sugerem, de maneira mais “interior”, outras impressões de estranheza. É o caso de todo o nó da intriga que se prende com a misteriosa seita – no princípio da década de 90, recordemos, começou a ser notada a profusão de seitas e igrejas “paralelas” na sociedade portuguesa, e ainda mais a descobrir-se a sua rápida implantação junto de algumas franjas da população. De certo modo, essa descoberta é convocada por O Oiro do Bandido para filmar aquilo que, no seu cenário, na sua Lisboa, se assinalava como um factor de diferença, se instalava como qualquer coisa que, na paisagem, era ainda difícil de reconhecer mas existia com a força suficiente para que a própria paisagem deixasse de ser inteiramente reconhecível. Nestes termos, a própria ideia de Lisboa como território a redescobrir parece ser, se não um dos temas, pelo menos um dos núcleos mais fortes do filme de Luís Alvarães – e provavelmente aquele, numa visão contemporânea, mais prende a atenção. Essa característica é salientada pelo contraste entre as personagens mais directamente ligadas à seita (o seu líder, Carlos Gomes) e outras, mais próximos de modelos “populares” (os casos do par formado por Alberto Larumbe e Sandra Faleiro, e especialmente do taxista “castiço” interpretado por Victor Norte).
Cruzando essa imagem de uma Lisboa popular, de tradições fortíssimas em todos os momentos do cinema português (das comédias dos anos 30 e 40 ao cinema novo dos anos 60, e a muito do que veio depois), com uma intriga polvilhada de elementos policiais (ou, mesmo que vagamente, de elementos do fantástico), O Oiro do Bandido garante-se como um objecto singular, que vale a pena redescobrir.
Luís Miguel Oliveira