RUÍNAS
Portugal | 2009 | betacam digital | cor | 60’
Realizador: Manuel Mozos

Sinopse
Fragmentos de espaços e tempos, restos de épocas e locais onde apenas habitam memórias e fantasmas. Vestígios de coisas sobre as quais o tempo, os elementos, a natureza, e a própria acção humana modificaram e modificam. Com o tempo tudo deixa de ser transformando-se eventualmente numa outra coisa. Lugares que deixaram de fazer sentido, de serem necessários, de estar na moda. Lugares esquecidos, obsoletos, inóspitos, vazios. Não interessa aqui explicar porque foram criados e existiram, nem as razões porque se abandonaram ou foram transformados. Apenas se promove uma ideia, talvez poética, sobre algo que foi e é parte da (s) história (s) deste País.

 

PRIMEIRA IMPRESSÃO

«Ruínas», de Manuel Mozos, começa com uma demolição. Um plano geral, fixo, sobre dois grandes edifícios aparentemente iguais da Península de Tróia: um deles implode, dando a sua silhueta na paisagem lugar a uma nuvem densa de pó que vai envolver o outro edifício, que se mantém de pé, ao lado do que acabou de implodir. Este filme começa (pré-genérico) com uma imagem forte pelo seu conteúdo. Um edifício de grandes proporções, que levou tempo (muito) a conceber e a construir, que desenhou a paisagem durante muito tempo, desaparece em alguns instantes. É uma imagem a que Kant chamaria sublime, dado que representa o desmesurado, aquilo que a nossa sensibilidade não capta harmoniosamente, dado que o entendi- mento não lhe aplica nenhum conceito, continuando à procura, à procura, sem o encontrar: não há conceito, não conseguimos perceber o choque do permanecer e do desaparecer, o choque destes dois aspectos do tempo. E, porém, sendo sempre poderosa, esta imagem é, mesmo assim, uma imagem banal – banal como imagem e banal como acontecimento do mundo: um mundo de demolição acelerada, demolição que é o correspondente da construção acelerada.

Mas logo o filme passa dos edifícios na paisagem e da implosão de um deles para um cemitério. As casas não têm cemitério. O Homem sim. O cemitério contém traços de vidas: é onde estão os mortos. Depois de imagens (planos fixos) da romagem e do vaguear das pessoas no cemitério, ou de lápides reflectidas nos vidros de um carro, uma sucessão compassada de planos de uma estatueta de mármore à frente de um jazigo. Aí, ouve-se um texto que é lido, a história de Henriqueta e a  história da sua ligação a Etelvina. A história de uma vida infame, ao mesmo tempo extraordinária e horrível. Talvez Henriqueta e Etelvina estejam sepultadas ali, talvez a estatueta de mármore seja a imagem de São Francisco de Assis mandada fazer em Itália da história que ouvimos. E as pequenas histórias, cartas, pedidos, panfletos vão surgindo sempre numa relação com imagens de espaços, interiores e exteriores, os quais contêm em si mesmos um desacerto, uma deslocação qualquer, mas não sendo todos «Ruínas». Contrariamente às imagens iniciais da implosão, estas não são imagens fortes pelo seu conteúdo – mas, no entanto, é logo a partir daqui que o filme manifesta a sua força: ela está na relação entre os textos lidos que ouvimos e as imagens que vemos; ela está não no conteúdo desta matéria audiovisual, mas na sua forma. Os textos colocam-se em várias relações com as imagens, e o trabalho do espectador consiste numa construção constante, que é ela própria sublime, dado que nunca o poderá fazer como tal, inteiramente. São essas relações que importa estudar. Cabe perguntar: que «Ruínas» são estas? São Vidas, talvez, na medida em que as Vidas colocadas no tempo são Ruínas.

Edmundo Cordeiro